Aqui respiro e começo
Talvez tenha chorado muito para alguém que não chora tanto. Talvez tenha chorado pouco para alguém que chora com filmes. O fato é que em breve fará um ano do falecimento do meu pai e não sei se chorei o suficiente. Outro fato é que até hoje não consegui escrever nada a respeito.
Acho que um dos motivos pelo qual ressuscitei esse blog foi por conta de uma quantidade desagradável de pessoas que estavam, e ainda estão, ferrando minha cabeça, insistindo que eu deveria fazer terapia. Primeiro por conta do meu divórcio e depois pela morte do meu pai.

Cada vez que ouço isso de alguém que prezo, perco um pouco de consideração por ela. Quando ouço de alguém que só conheço, a pessoa perde grande parte da minha pouca confiança. Meus critérios. Minha métrica. Minha vida.
Terapia seria conversar sobre o que não quero conversar com alguém que não conheço. Não estaria fazendo o mesmo, aqui no blog, escrevendo sobre o que não quero escrever, abertamente, para quem não conheço? Certeza que são pesos diferentes. Não tenho dúvidas disso. Fora o tempo, em uma terapia, que seria gasto para aprender a falar o que sinto. O que sinto?
Por outro lado, sei que fingir que está tudo bem ou que negligenciar esses sentimentos, por muito tempo, pode trazer consequências até mesmo fisiológicas. Lembro-me de ouvir isso no longínquo ano de 2002. Salvo engano a psicanálise e a psicologia comportamental concordam com isso. Mas não me cobrem por isso, só acho que ouvi e achei interessante à época. De lá até o momento em que escrevo já se foram 18 anos.
Que fique claro que respeito a importância da Psicologia. Ciência é ciência.
Aqui respiro e continuo
Meu pai faleceu dia 23 de outubro de 2019, no auge dos seus 59 anos, bem novo para o padrão de vida atual. Depois de viver muitos anos em dores, acreditando se tratar de sua coluna e as diversas cirurgias para retirada de hérnias, ele sucumbiu, ao que descobrimos meses antes de sua morte, à ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica).

Impossível não lembrar do Stephen Hawking, aquele Físico Teórico e Cosmólogo que costumávamos ver sentado numa cadeira de rodas cheia de apetrechos tecnológicos, dentre eles um sintetizador de voz. Outra referência à doença foi aquela campanha do desafio do balde de gelo entre famosos e anônimos, para angariar fundos para pesquisa para essa doença.
Triste é o fim de quem padece por essa doença.
Aqui respiro. Continuando
Nossa relação se estreitou bastante quando me casei. Um fato interessante é que ele foi contra. Nos tornamos amigos de verdade quando começamos a pedalar juntos, assunto que abordei nesse post.

Posso afirmar com bastante certeza que os últimos dez anos ele viveu muito bem. Nossa família viveu a ascendência que parte considerável dos brasileiros vivenciaram durante o milagre econômico do governo petista. Partido que ele não gostava e que minha mãe ainda odeia. Nesse período eles viajaram juntos para conhecer o mar, que é um feito e tanto para nós goianos. Foram duas vezes, uma delas de avião, só pra deixar o status quo no tremelique (risos).
Nesse ínterim aprendeu teoria musical, aprendeu a tocar violino, instrumento que ele mandou fazer. Comprou uma moto de verdade, uma Suzuki Boulevard, fez curtas – porém maravilhosas – viagens com minha mãe na garupa. Engraçado como sentia-me um pai ao ver os dois saírem assim, todo aparamentados para fazer rastro nas estradas, preocupado com o trajeto, o tempo e integridade deles. Viajou para outro estado para fazer um curso para aperfeiçoar sua atuação como fiscal da prefeitura. Ficou craque em tudo relacionado à concreto armado e afins!
Fizemos uma prova de Mountain Bike juntos! E não foi pouca audácia não! Algo em torno de 150 km de Goiânia à Pirenópolis só por fazendas, estrada de chão. OK, não conseguimos terminar, mas foi uma baita aventura! Cumprimos 100 km até a cidade de Interlândia – GO.
Enfim, viveu bem os anos que antecederam a decadência de sua saúde.
Aqui respiro, faço uma pausa
Aos poucos perdeu o interesse pelo violino. Depois de algum tempo a gente percebeu que não foi por falta de inspiração ou interesse e sim falta de coordenação ao seu braço esquerdo;
Aos poucos parou de pedalar, pois sua coluna doía e depois faltou força na mão esquerda;
Aos poucos parou de andar na moto grande, pois a manopla da embreagem exigia um pouco mais de força para acioná-la;
Aos poucos parou de andar com a moto pequena, pois mesmo uma moto leve exige destreza dos dois braços;
Aos poucos parou de dirigir o carro, pois, afinal precisamos de um carro adaptado para dirigir com deficiência;
Aos poucos passou a depender da minha pessoa como motorista, já que minha mãe deixou de dirigir há muito tempo;
Passamos a ir somente a supermercados onde tinham cadeiras motorizadas, pois ele fazia questão fazer as compras pra sua casa e itens pra montar diversas cestas básicas pra igreja;
Depois passamos a sair somente para consultas;
Quando íamos a uma dessas consultas, quando já não conseguia mais caminhar, ele desmaiou nos meus braços de tanto esforço pra sair do carro para cadeira de rodas. Foi a última vez que estivemos à rua juntos. Dali o internamos em um hospital. Foi transferido de lá para a UTI de outro. Da UTI só saiu depois de seu falecimento.
Aqui respiro

Não há uma só vez em que não entre em sua casa e que não o veja sentado em sua poltrona. “Como estão as coisas Sr. Juvenato!?” é a primeira coisa que vem a mente antes mesmo de cumprimentar minha mãe.
Não há uma só vez em que eu não vejo algo bobo no whatsapp que eu não me lembre dele “Ele iria adorar isso”.
“Ele iria isso”, “ele iria aquilo” se tornou um jargão entre a gente, eu, minha mãe e minha irmã.
É, Sr Juvenato, as coisas não têm sido fáceis.
