Tireoide

Tinha que tirar foto dessa poltrona um dia e a obra de arte da dona Eleonora foi a desculpaSaí do sofá que fica de frente para televisão e fui para poltrona que fica meio que do lado dela. É bem ali que há uma incidência confusa de raios de sol nas tardes de outono. A ideia não era me aquecer, pois aqui em Goiânia outono e inverno só significam noites e manhãs mais frias. Queria mesmo era uma luz melhor para poder retirar aquelas pequenas tiras de pele que ficam se soltando ali da junção das unhas. Peguei um alicate de unha e podei as tais arestas de pele.

Essa questão das pequenas tirinhas de pele me faz lembrar que provavelmente estou com minha tireoide desregulada ou coisa que o valha. Lembro que a doutora, endocrinologista, que costumava ir disse, certa vez, que sabia que minha tireoide estava desregulada só de olhar para minhas mãos e reparar nessas malditas e doloridas lasquinhas de pele. Essa doutora foi uma indicação do meu pai que se consultava com ela e tinha excelentes resultados no controle de sua tireoide e diabetes.

Na primeira consulta ela fez muitas perguntas e me solicitou dezenas de exames. Uma semana depois ela disse que minha tireoide estava desregulada e que precisávamos iniciar o tratamento com um remédio que eu nunca mais pararia de tomar. Um comprimido ao dia. Disse que todos os problemas que reclamei iam passar rapidamente. Entre eles estavam uma tremedeira que me causava vergonha – era impossível segurar uma xícara e um pires sem tocar um samba, e uma fraqueza descomunal seguida de uma fome monstruosa quando eu pedalava por de uma hora.

Antes de chegar a esta doutora eu já tinha me consultado com dois neurologistas. Tentei ir direto ao ponto, afinal uma tremedeira deveria ser coisa da cabeça.

O primeiro me solicitou exames antigos, nada novo, e que já na próxima consulta iniciaríamos o tratamento. Não entendi bulhufas, porém ele é o médico, certo? Pois bem. Na outra semana fui ao consultório onde fui convidado a me juntar a outros 14 pacientes! Continuei sem compreender nada. Era uma espécie de consulta coletiva. Tudo confuso demais. Ao meu lado tinha uma moça, talvez uns 25 anos, com três caixas de remédios controlados. Ela os segurava com as duas mãos, meio que como se tivesse rezando, num vai e vem frenético, para frente e para trás. Alguns outros pacientes tinham tiques nervosos que deixava qualquer um aflito. Talvez fora dali não provocasse esse efeito, porém todos eles, digo, nós, juntos, era uma cena medonha. Cinco minutos desse terror se passou até que eu criei coragem para perguntar para o doutor “Porque minha consulta está sendo coletiva?” ele prontamente respondeu “seu problema é o mesmo problema de todos aqui: estão todos muito estressados…”. Aguardei mais dois minutos e perguntei onde era o banheiro. Ao fechar a porta segui pelo corredor e saí do prédio. Nunca mais voltei lá. Não podia acreditar que eu estava tão trololó quanto todos aqueles pacientes.

Já o segundo me pediu para contar tudo o que me perturbava, estressava e etc. Comecei a duvidar dos neurologistas naquele momento. Ao fim da consulta, sem me solicitar exame algum, disse que era estresse, veja você, e que era para tomar um comprimido de tal remédio por dia, e que se caso me envolvesse numa situação de muito estresse, que tomasse outro. Sim, era tarja preta. Comecei a achar que de fato estava ficando trololó. Dei o braço a torcer. Comecei a tomar o comprimido antes de ir para o trabalho. Nada mudou. Certa feita, numa situação de estresse lá no trabalho, tomei outro comprimido. Fiquei chapado por horas! Nunca mais tomei aquilo.

Que fique claro que trololó, para mim, seria retardado, mas sem soar tão agressivo.

Contei toda essa história para a endocrinologista no dia que ela me deu o diagnóstico. Ela deu uma risada espalhafatosa, coisa que não combinava com sua imagem, até então, austera. Me pediu perdão pela risada, alegando que minha história era absurda. Falou que o remédio que o doutor anterior tinha me recomendado causava dependência. E que meu caso era uma simples disfunção hormonal por conta da tireoide.

Se me recordo bem, na primeira semana do novo remédio para tireoide, a tremedeira foi muito reduzida. Na segunda semana já era inexistente. Exames feitos meses depois apontaram para a reversão de alguma coisa na tireoide que, ao invés de tender a emagrecer, eu provavelmente engordaria bastante caso não mantivesse minha rotina de exercícios. De fato engordei, mas não foi lá grande problema. Meu peso anterior era algo sempre entre 71kg ~ 73kg. Hoje tenho que pedalar muito, e comer pouco, para me manter nos 74kg. Estou quase sempre entre 75kg ~ 76kg. Porém sem tremedeira alguma e nunca mais tive casos de exaustão extrema após 1 hora de exercícios, como era de costume.

Tenho que voltar lá. Há anos não vou à consulta alguma. Estou prevendo a situação, caso ela de fato se lembre de mim, com toda certeza desse mundo ela irá se lembrar do meu pai. Obviamente vai chegar o momento do:

“Como está seu pai?”

Eu e meu pai em 1996 subindo o rio Araguaia, Aruanã - GO

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