Pelo simples fato de poder, saí com minha mountain bike rumo ao município de Santo Antônio de Goiás no sábado passado, dia 28 de novembro de 2020. Tinha planejado na noite anterior que essa pedalada seria feita no modo contemplação. Não seria para melhorar minhas marcas (Strava), não seria para sentir gosto de sangue na garganta de tanto esforço, seria só para observar o caminho mesmo.
As mudanças no meio se tornam mais perceptíveis quando a gente pedala tranquilo. Na forma como normalmente pedalo acabo só percebendo mudanças na estrada, nada além. Vi que estão fazendo um bike park na saída para Santo Antônio, ainda no Mansões do Campus, coisa inimaginável anos atrás. Esse boom de pessoas descobrindo o ciclismo no meio da pandemia tinha que servir para algo. Park Lagoa Vargem Bonita é nome do local.
Voltava do vagaroso passeio contemplativo transpondo a subida do rio Capivara, sentido Goiânia, quando passei por um senhor pedalando uma bicicleta relativamente rara de se ver por aqui. Trava-se de uma das pessoas mais importantes no incentivo ao pedal que eu e meu pai tivemos lá no começo de nossas aventuras pelando pelos arredores de Goiânia.
O ultrapassei na subida, não o cumprimentei, porém ele me alcançou no fim da mesma, o que proporcionou me certificar que de fato era quem pensei e assim ter um dedo de proza até o fim da estrada de terra batida.
– Veja se não é a Lenda! O Cumprimentei.
Fez-se fácil o sorriso em seu rosto, em contraste com o esforço que fizera no aclive, o que evidenciou ainda mais as marcas que 70 anos de história exibe, com orgulho, diga-se de passagem. Contei para ele que o quão meu pai o admirava por tamanha paixão a este esporte.
Certa feita, em 2012, num pedal de Goiânia à Fazenda Santa Branca – Terezópolis de Goiás, ele nos incentivou como só um ciclista experiente poderia o fazer:
– Senhores! Exclamou a Lenda ocupando o último lugar do comboio de ciclistas, eu sou a pessoa mais velha de todo esse pedal, portanto é um dever moral que vocês cheguem antes que eu à fazenda. Caso não consigam, sugiro colocarem suas bikes na camionete ali atrás e entrarem no cata ossos. Pelo menos lá tem ar condicionado!
Cata ossos é o nome que se dá ao carro de apoio que recolhe os ciclistas incapazes de fazer o percurso, ou que por ventura tenham se acidentado e/ou tenham danificado suas bicicletas.
Prontamente transformamos aquelas palavras em um pouquinho mais de força, moral, e chegamos. Meu pai completava assim primeiros 60 km. Sofreu no finalzinho, mas completou.
Terminada a estrada de terra, alcançado o asfalto, parte chata pra quem está de mountain bike, nos despedimos. Ele partiu para o leste e eu para o sul. Enfim, foi um bom pedal, rendeu algumas fotos, não excelentes, mas valeu pelo simples fato de observar melhor tudo ao redor.
Seria impensável, anos atrás, que teríamos tantos ciclistas pedalando entre Goiânia e Santo Antônio a ponto de não haver intervalo suficiente para não ter alguém em vista. Isso dificulta muito a vida daqueles que bebem muita água e logo querem parar para se aliviar. Isso seria uma dificuldade para meu pai, visto que tinha diabetes. Mas que com certeza renderia muitas passagens engraçadas dele tentando se aliviar sem ninguém ver. Fora o fato que ele estaria encantado com a quantidade de gente pedalando pelo caminho que ele era tão familiarizado.
Que fique registrado aqui, menção honrosa, que ontem fez 10 anos que gastei todo meu 13º salário para comprar um bicicleta e que desde então não paro mais de gastar dinheiro com isso. Não me arrependo de nada!