“- Você está muito parecido com meu irmão, gordo e careca.”
Ouvi essa frase de uma prima. Era o segundo semestre de 2010. Isso ficou martelando minha cabeça a ponto de decidir, ainda naquele ano, voltar a fazer alguma atividade física para contornar a situação. Não queria de forma alguma parecer meu primo. A calvície é meio que irreversível, mas poderia reduzir o peso.
Como sempre tive ojeriza à cultura da academia, optei por tentar superar um trauma de quatro anos antes, quando, de bicicleta, atropelei uma patrola.
Se procurarmos no dicionário Houaiss o significado para Patrola ele nos redireciona para Niveladora. Quando a pessoa não sabe o que é Patrola digo que é uma espécie de Trator.
Pedalar sempre me remeteu à infância de alguma forma. Talvez por ser de bicicleta a forma que eu pela primeira vez superei a incrível marca quatro quarteirões distante de casa. A pé eu nunca tinha feito isso. Bons tempos. Um cunhado que praticava mountain bike me indicou um local para comprar minha bicicleta. Paguei de duas a três vezes o valor que pagaria numa bicicleta de supermercado, mas comprei algo relativamente decente. Algo que aceitaria melhorias, caso me interessasse, mais a frente.
Algo que também foi determinante para a escolha dessa modalidade de atividade física, além de querer deixar de parecer meu primo e da nostalgia, foi o fator redes sociais. Acompanhei o surgimento e o engajamento crescente ao perfil do grupo Pedal Goiano no twitter. Sempre postavam sobre mobilidade urbana e achava bacana os pedais pelos parques que eles organizavam aos sábados nesse período.
Assim que pude me juntei ao grupo e comecei a pedalar com regularidade. Inicialmente uma vez na semana à noite e aos sábados à tarde. Mais a frente passei a pedalar duas vezes na semana à noite e aos poucos criei coragem de ir ao trabalho de bike. Os pedais com o grupo eram de uns 20 km. No fim das contas eu voltava pra casa com 40 km no total, já que gastava 10 km para ir e mais 10 km pra voltar.
Certa vez o idealizador do grupo, depois de ver minhas atividades registradas no endomondo, me convidou para fazer um pedal para uma cidade vizinha, Santo Antônio de Goiás. Ele me incentivou bastante, disse que eu tiraria de letra, já que estava pedalando mais de 80 km por semana e que a distância até tal cidade, dependendo de onde saíssemos, daria uns 45 km no total. Fiquei meio receoso. Achei muito arriscado pedalar na terra. Julguei ser o dobro do esforço que pedalar no asfalto, o que se mostrou verdade, como veremos. Trabalhei essa ideia durante quase um ano até que no dia 21 de fevereiro de 2012 criei coragem e descobri o mountain biking.
Com medo de fazer feio quando fosse pedalar com a parcela corajosa do grupo que se arriscaria a pedalar para outro município via estrada de chão, saí sozinho para essa aventura. Afinal se fosse pra dar vexame que fosse sozinho. Pesquisei o caminho no Google Earth e fui. Era carnaval. Tinha muita gente pedalando, logo não tinha como me perder. Sofri. Como sofri! Sofri a ponto de não querer pedalar de volta pra casa. Não havia como ligar para pedir ajuda já que meu celular não tinha sinal da operadora naquela cidade. Não tive escolha a não ser pedalar de volta. Sofri e sofri! Xingava, enquanto pedalava, a todos que me incentivaram a me submeter àquela tortura. Foram as mais longas três horas e doze minutos da minha vida, até então, onde percorri 44 km. Detalhe: Não consegui concluir a volta pra casa. Parei num posto de gasolina que fica a 2 km de casa e pedi por socorro, carona, pra finalizar. Simples assim. Fiquei uns cinco dias sem conseguir olhar para bicicleta. Após 14 dias, sabe-se lá por que, masoquismo – talvez, voltava a pedalar pelos estradões que levam a Santo Antônio de Goiás.
Os que estão iniciando, e os menos preciosistas, chamam isso de trilha. Famosa trilha pra iniciantes para Santo Antônio. Mas trilha para mountain biking é outra coisa, pra lá só tem estradão de terra entre fazendas mesmo. Voltei mais uma vez e até a presente data dessa postagem não parei mais de pedalar.
Meu pai, com 52 anos àquela data, assim que soube da minha peripécia perguntou sobre o estado do asfalto até a cidade. Disse pra ele não tinha ido pelo asfalto, mas sim por uma estrada de terra entre fazendas. Ele ficou muito curioso e num final de semana de março de 2012 me acompanhou, porém de moto. Ele ficou maravilhado com o caminho. Relembrou tempos de outrora, quando era mais novo e pescava ilegalmente na Lagoa de Santo Antônio, lugar que passamos ao lado durante o trajeto. Disse que achou o caminho muito perigoso para pedalar sozinho e que por isso compraria uma bicicleta pra me acompanhar. Fingi que acreditei na desculpa e no final do mês de abril de 2012 o ajudei a escolher sua bicicleta. Iniciávamos ali uma parceria que duraria quatro anos e oito meses das mais diversas aventuras. Como nos divertimos!
Inspiramos muita gente, afinal eram pai e filho pedalando. Não me recordo, durante todo o período que pedalei em grupos diversos, dos mais simples aos mais avançados, de ver pais e filhos pedalando juntos. Nossos pedais pelos arredores de Goiânia teve um prematuro fim por conta da infeliz loteria genética, mas isso é outra história, outra postagem. Estou me preparando pra isso.
Apesar dos pesares, aqui estou. Nove anos contabilizando minhas pedaladas cheguei à marca dos 51.576 km até hoje, dia do Saci Pererê ou Halloween de 2019. Os últimos anos foram fracos quando levo em consideração o período entre 2015 a 2017 quando pedalei mais da metade do valor total dos nove anos somados.
O texto ficou um pouco longo, mas acredite, resumi bastante a história da minha vida nesse hobby. Quero um dia relatar a primeira e única prova de mountain bike que participei, com meu pai, e também do dia que fiz a dona namorada pedalar 70 km, que até então só pedalara 40 km, debaixo de um sol escaldante.
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